Por Apta Consulting em 10 de Novembro de 2022
O novo governo eleito e os reflexos nas relações do trabalho

O novo governo eleito e os reflexos nas relações do trabalho

 

 

Mudanças importantes no cenário político sempre geram expectativas quanto aos seus reflexos em várias áreas da sociedade e não seria diferente, quando pensamos nos possíveis impactos que podem ocorrer nas relações do trabalho com o recente presidente eleito.

 

Especialmente, em relação às atuais eleições a análise ganha ainda mais sentido, considerando a enorme distância ideológica entre o atual governo e o candidato eleito, que como sabemos, se desenvolveu com raízes marcantes no movimento sindical.

 

Numa primeira análise pode-se apontar uma mudança de pauta de discussão, que tende a migrar de uma tendência menos protetiva aos direitos trabalhistas constituídos e mais alinhada com o princípio de liberdade de regulação individual, para uma base ideológica que fortaleça a participação sindical na relação entre capital e trabalho.  

 

Esse mesmo debate foi estabelecido em 2017, à época da tramitação e aprovação da “reforma trabalhista”, que uma vez aprovada trouxe contornos menos intervencionistas e uma tentativa (pouco efetiva, na prática) de se trazer maior autonomia individual de empregadores e empregados na regulação de suas relações, deixando claramente fora deste escopo a participação sindical.

 

As possíveis mudanças que podem se delinear a partir de janeiro de 2023 estão conectadas a (i) alterações legislativas, (ii) novas políticas que impactem na estrutura e estratégia de atuação de órgãos fiscalizadores (Ministério do Trabalho e Previdência), (iii) impactos nas estruturas internas dos sindicatos e centrais sindicais.

 

As possíveis alterações legislativas sempre demandarão aprovação do Congresso Nacional em procedimentos demorados e que exigem complexa articulação política. Esse “pequeno detalhe” nunca é lembrado por candidatos durantes as suas campanhas eleitorais, passando a impressão de que basta a vontade do novo chefe do Executivo.

 

E é nesse contexto que deve ser considerada a dita “revogação” da reforma trabalhista. O programa de Governo do Partido dos Trabalhadores traz a seguinte proposta:

 

“13. O novo governo irá propor, a partir de um amplo debate e negociação, uma nova legislação trabalhista de extensa proteção social a todas as formas de ocupação, de emprego e de relação de trabalho, com especial atenção aos autônomos, aos que trabalham por conta própria, trabalhadores e trabalhadoras domésticas, teletrabalho e trabalhadores em home office, mediados por aplicativos e plataformas, revogando os marcos regressivos da atual legislação trabalhista, agravados pela última reforma e reestabelecendo o acesso gratuito à justiça do trabalho. (...) “

 

Em linha com as declarações do próprio Presidente eleito, não há a intenção de se buscar a “revogação” da “reforma trabalhista” como um todo, mas de se estudar os ajustes legislativos necessários.  

 

Nesse sentido, ganha foco o estudo de alterações a serem feitas no que tange ao contrato intermitente (que possibilita ao mesmo trabalhador constituir vários vínculos sem a obrigação de comparecimento diário). A ideia inicial seria a de restringir essa modalidade contratual a poucos setores (turismo e entretenimento, por exemplo).   

 

Outro ponto, seria o da regulamentação mais detalhada do trabalho em plataformas de serviço, como o Uber, voltada a análise para uma maior proteção previdenciária dos trabalhadores envolvidos.

 

Embora pouco debatida, a ideia de se garantir o acesso gratuito à Justiça do Trabalho com mudanças nas regras da “reforma trabalhista” que trouxeram maiores custos e riscos para os reclamantes, com a consequente diminuição de processos (queda de 40% após a reforma), pode reforçar tendência já observada de retomada de crescimento do número de processos trabalhistas nos mesmos patamares do período pré-reforma.

 

O outro ponto muito debatido durante a campanha eleitoral foi o da reedição da contribuição sindical (imposto sindical). Um dos temas trazidos pela “reforma trabalhista”, o fim do desconto obrigatório de um dia de salário de todos os trabalhadores sindicalizados ou não, gerou expressiva perda financeira aos diversos níveis das Entidades de Representação Sindical, gerando até mesmo a extinção de Sindicatos. Cabe salientar que apesar de Sindicatos mais bem organizados (raras exceções no país) tenham sofrido menos impacto, é inegável que tal medida abalou significativamente a atuação sindical.

 

Estudos mostram que no comparativo 2017 (último da contribuição compulsória) x 2018, a arrecadação de todas as entidades sindicais profissionais (Sindicatos, Centrais, Federações e Confederações) caiu de R$ 2.245,1 bilhões (2017) para R$ 207,6 milhões (2018)

 

Apesar das intensas pressões dos apoiadores do meio sindical para a reedição do imposto, a linha adotada no discurso do novo Presidente e no seu programa de Governo tem sido no sentido de desenhar uma forma de compensar as perdas de receitas, sem reeditar o imposto sindical.

 

De fato, com as alterações da “reforma trabalhista” e decisões do Poder Judiciário nos anos subsequentes o desconto de contribuição sindical passou a se exigir a autorização individual e expressa do empregado e no caso de outras contribuições (assistencial, por exemplo), passou a se exigir também a sindicalização (associação ao sindicato).

 

A proposta do futuro governo, embora não seja detalhada e clara, indica a tentativa de uma regulamentação legal de forma a possibilitar que as assembleias sindicais possam definir uma taxa negocial a ser descontada de todos, mesmo dos empregados não sindicalizados, nos moldes muitas vezes praticados antes da reforma. Essa taxa negocial seria estabelecida, portanto, nas negociações coletivas.

 

Ainda no contexto das relações sindicais, outro ponto que ganha destaque é a retomada da ultratividade, revogada pela reforma trabalhista. Trata-se da possibilidade de manutenção da eficácia de direitos estipulados em negociação coletiva anterior, enquanto não ocorre a conclusão das negociações em andamento. Hoje, direitos relativos a estabilidades e outras garantias sociais perdem a validade no dia de término de vigência da convenção coletiva negociada no ano anterior.      

      

No cenário descrito acima é importante que as empresas estejam atentas e preparadas para um momento de mudança nas relações do trabalho, com fortalecimento do meio sindical e reflexos nas negociações coletivas, com o aumento do poder de mobilização das entidades sindicais.

 

Nossa recomendação é que se tenha um acompanhamento mais próximo nas relações do trabalho e sindicais, bem como nas alterações legislativas, a fim de que possam ser estabelecidas ações preventivas para que as estratégias das empresas não sejam afetadas.

 

 

RAFAEL MARTINELLI

Advogado, Consultor em RT e Sócio da Apta Consulting

 

 

 

 

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